A noite vai crescendo e se adentrando.
Logo será madrugada nesse mundo em que vivo.
Os cachorros latem na vizinhança.
Um aqui, outro lá…
Devem se falar, quem sabe.
E eu fico ouvindo sem entender.
Ouço ruídos que assustam, mas quando vou averiguar,
eram só ruídos da noite, ruídos do trivial
que à noite, quando o silêncio se faz, eles se tornam reais.
Por vezes me assusto e o coração dispara e a adrenalina se esparrama.
De repente penso que o medo é besteira.
Nesta terra em que vivo,
se algo ocorrer de mais drástico, nem nada vai me livrar.
Mas, se tudo for nada, amanhã vou olhar o dia com toda a força
de um ser que renasce.
Bem sei disso e assim vou fazendo meus dias.
É um tal de acordar, tentar me ligar,
sair, trabalhar, falar, atender, responder,
concordar, emudecer, dar, retroceder, ir e voltar.
Não crer e ficar.
Fingir e calar.
Atender a pedidos e me esvaziar.
Deus meu! que doidice!
Que vontade eu tenho, por vezes, de dar um grito de basta!
De olhar pras pessoas, ouvir, calar e, de repente, gritar:
o que é que eu tenho com isso? por que acham que vou acreditar?
estou cheia! cheíssima dos problemas de todos!
eu também existo, eu também tenho os meus!
meu vazio é maior do que o seu! talvez porque seja o meu,
mas, por favor, me dê licença, me conceda o direito
de dizer que também não estou bem!
por favor, deixe que eu peça ajuda,
deixe que eu fale, deixe que eu sinta!
Ou melhor, deixe que eu transmita que sinto, percebo, sofro, e choro.
Deixe que eu possa por pra fora que sou gente – só gente.
Não sou muro de arrimo, não sou de concreto,
não sou feita de estrutura metálica.
Eu existo como todos!
Tenho altos e baixos.
Tenho fraquezas dentro da fortaleza.
Tenho medos na minha coragem.
Tenho necessidades!
Não sou só poço.
E até no poço, um dia a água se acaba.
27/fev/1980